21.9.07

Sem ideias... ou não!

Epá... como estou sem ideias para escrever lembrei-me que era giro colocar aqui um texto que li num jornal local (Hoje). Por acaso até encaixa bem no blog, pois fala de trânsito (como eu gosto de falar nisto) e ainda por cima entra bem aqui e nesta altura, dando seguimento ao desafio que me coloquei, em falar um pouco da China, referindo comportamentos do povo chinês e de Macau. Ora vamos lá a ele.

O repouso do carro
Foi com alívio que à saída de Portugal deixei as chaves do carro para trás.
Em Macau para que preciso eu de carro se é tudo é tão perto?! Mesmo morando na Taipa, em menos de um suspiro estou em Macau e com dois ou três chego à ilha de minha eleição, Coloane, o mais acolhedor dos lugares. Qual não foi o meu espanto, logo à saída do Jetfoil, quando estive mais de muito tempo dentro de um táxi, porque os carros corriam por todos os lados e em todas as direcções.
É claro que esta imensa quantidade de tubos de escape em todos os milímetros de rua tem uma explicação. O carro é uma máquina de assinatura ocidental, que dá muito conforto a curto prazo e uma série de doenças a longo; o que parte dos chineses ignora. Além do mais, o carro é na China reformista e, como tal, para a população chinesa de Macau, um manifesto palpável da rejeição do Maoísmo. Com esta máquina acabaram-se as Longas Marchas e os feitos heróicos e absolutamente desmedidos que Mao impunha com as suas ideias mirabolantes e tantas vezes simplistas, que se reflectiam, por exemplo, no uso das bicicletas; mas também em provérbios como Yugong remove montanhas. Relembremos um pouco da imagética filosófica que conduziu em extremo à Revolução Cultural. Havia um velho, já muito velhinho, cujo caminho era bloqueado por duas grandes montanhas. Ele então teve a ideia de as remover, sem máquinas, apenas com ajuda dos filhos e de uns instrumentos rudimentares como pás e baldes. Um outro velho, de nome Sábio, que era seu vizinho, riu-se daquilo que lhe parecia um esforço absurdo. Yugong, o Velho Tonto, que com a ajuda da família ia removendo pacientemente os obstáculos, respondeu ao desafio do Sábio com as seguintes palavras: “Por que troças? Quando eu morrer, hão-de ficar os meus filhos e netos para prosseguirem a minha obra; por fim venceremos, porque as montanhas não crescem, mas a minha descendência não pára de aumentar”. Mao, como já disse, aproveitou-se deste provérbio para pedir esforços fantásticos a um povo, que, montado nas suas bicicletas, via, de dia para dia, as suas condições de vida a deteriorarem-se. É então mais do que natural que os chineses torçam o nariz se lhes propusermos trocar os seus cómodos e, em tantos casos, faustosos veículos, por bicicletas; nas suas cabeças não passamos de maoístas disfarçados, ou seja, gente cheia de ideias que não funcionam na prática. Porém, não é menos verdade que os chineses são um povo extremamente inteligente e até influenciável, como não escapou a Ferreira de Castro quando andou por estas bandas. Diz-nos ele: “O chinês dificilmente se exalta. Calmo, tolerante, resignado, os seus bairros desconhecem a desordem. Influenciável, ele pode ir até às maiores aberrações, mas vai, também, frequentemente, às mais nobres atitudes. (Macau e a China, Câmara Municipal das Ilhas Provisória, p. 35)
Penso como o Ferreira de Castro, por isso não considero tão difícil assim pedir aos chineses, não que abandonem, mas que reduzam a utilização das suas vistosas máquinas. Por um lado, se eles são influenciáveis, basta que nos vejam andar mais a pé; por outro, como são muitíssimo inteligentes e afectivos é preciso encontrar um bom argumento que explique os benefícios de deixar mais tempo os carros a repousarem nas garagens. Querem um argumento infalível? Pois aqui está um: sabendo do amor que os descendentes do Dragão nutrem pela família, e em tempo de controlo de natalidade, pelos poucos filhos que têm, há que lembrar-lhes que devem deixar uma terra onde os seus descendentes possam prosperar sem grandes problemas de saúde e, no limite, até sobreviver. Isto basta para os convencer. E quanto a nós, sinceramente, ó compatriotas, estamos dispostos ao esforço de largar um pouco do nosso conforto em troca de uma melhoria evidente no ambiente e na saúde? É mesmo preciso levar o carro ao supermercado? Para quê? Para o trazermos a transbordar de bens supérfluos? Se formos às compras a pé, trazemos bastante menos para casa, no máximo um saco ou dois, e assim habituamo-nos apenas a comprar o essencial; além disso, reduzimos inevitavelmente as idas ao ginásio, porque passamos a fazer muito mais exercício; por fim, acostumamo-nos a um tempo lento, porque a pé fazemos tudo mais devagar, o que tem como primeiríssima vantagem uma reaproximação à natureza; tal só fará bem a muitos de nós, que já esqueceram os diálogos com os nossos irmãos naturais. Há quanto tempo não vemos o voo de um pássaro ou as correrias tontas de uma barata? Quem ainda consegue ler no aparecimento das libelinhas a mudança de tempo?
Em terra chinesa, é tempo de recuperar a filosofia do meio tão apregoada ao longo dos tempos através da releitura do clássico confuciano, a Doutrina do Meio, que a tradição atribui a um neto de Confúcio, Sizi; mas que nós hoje sabemos ser o fruto do trabalho de um discípulo posterior que viveu durante a dinastia Han. Se seguirmos a filosofia do meio, nada faremos em excesso; logo deixamos as chaves deste cómodo meio de transporte em casa várias vezes por dia, dando provas de maturidade civilizacional, de civismo e, sobretudo, de um respeito profundo pelas gerações vindouras. Eu gostava que os meus netos pudessem visitar Macau e, quem sabe, até que viessem viver para cá, mas na condição de ter uma terra ainda verde e bonita para lhes oferecer.

Por: Ana Cristina Alves em Hoje

P.S: Bom fim de semana e não se esqueçam de deixar o carro na garagem!

2 comentários:

Carlos disse...

Pois...

São agora 21h15, estou na Penha de França e às 23h quero estar em Carnaxide. O que vou fazer?

Peço desculpa a todos. e ao ambiente, mas acho que vou pegar no carro ;)

Em compensação vou começar a ir a pé para o emprego ;)

Amanhã é o dia Europeu sem carros e eu nem sequer vou pegar no meu!
Nada como andar de boleia... ;) É apenas a minha forma ignorante de não ficar com peso na consciência.

Anónimo disse...

Não basta reagir com a defesa do corpo para se entender e reconhecer a mira dos interesses que, deveriam ser de todos.
O critério deveria ser o de descriminar todos os que utilizam as quatro rodas.

Para mim deveria de existir listas criticas, nos meios de comunicação, outdoors, locais de exposição publica, a todos quantos usassem o carro diariamente.

Apostar na locomoção fisica devia ser um interesse de todos os povos.

Continua na tua campanha.